Ainda há tempo, mas ele está se acabando

A convite da ABTRA, Marcos Lisboa traça na Intermodal um diagnóstico da crise econômica e lança propostas para a reestruturação do Brasil


A linha do tempo da economia brasileira traz alguns temas recorrentes, que precisamos reavaliar e combater. O Brasil está com os Estados falidos, uma dívida acima de 80% do PIB e, “embora ainda tenhamos tempo para agir, ele está se extinguindo”, alertou o economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa, em palestra ministrada na Conferência Intermodal a convite da ABTRA (Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados).

A conjuntura econômica e as propostas para retomada do crescimento eram o tema da palestra que foi além do caráter informativo, trazendo um retrato completo da economia do país nos últimos trinta anos, e a certeza de que ainda temos muito o que fazer para encontrar saídas para a situação em que se encontra o Brasil nos dias de hoje.

Lamentando que tenhamos criado uma cultura do oportunismo e da desigualdade de condições, Lisboa exemplifica o setor agrícola, no qual ultimamente se depositam as esperanças de resgatar a competitividade brasileira: “um segmento que recolhe pouco imposto e que é isento de pagamento à previdência, o que gera distorções na arrecadação”.

Marcos Lisboa já foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e vice-presidente do grupo Itaú-Unibanco. Hoje na presidência do Insper, instituição de ensino voltada para negócios, economia, direito e engenharia, Lisboa é uma referência para o mercado na discussão sobre as saídas da atual crise econômica e sobre o papel do Estado brasileiro nesse processo.

Falta de credibilidade

No setor de infraestrutura e logística, estamos altamente dependentes do aporte de capital externo, que traria recursos para o segmento, no entanto o país está hoje em uma situação grave de falta de credibilidade, e precisa reconstruir a sua imagem a partir de um “trabalho duro, que envolve reformas do judiciário, revisão de contratos, das altas taxas de retorno (temos as piores do mundo), construção de marcos regulatórios e fortalecimento do governo”. Temos problemas que já nos acompanham há décadas, apontou o presidente do Insper: “fomos coniventes com a fragilização da credibilidade, e pagamos o preço por isso”.

O diagnóstico do economista é que esta será uma agenda difícil, baseada em desfazer hábitos nocivos, acordar para a realidade e gerar mais equilíbrio. Entre os caminhos sugeridos para que o Brasil recupere a sua condição de desenvolvimento, Lisboa mencionou a melhoria das garantias para levar à redução de juros, de modo a deixar o crédito fazer funcionar o mercado e a redução das ineficiências. “Muito se fala acerca da esquerda, mas o fato é que, até agora não tivemos um governo de esquerda, mas sim um governo sensível a interesses, sempre à escolha de beneficiados”, avaliou.

Quais seriam os próximos passos?

Uma agenda prioritária, segundo ele, incluiria quatro pilares: abertura comercial, política social consistente (que considere cada conquista como um ganho do país, e não uma vitória de um ou de outro governante), reforma da previdência e tributária. “Preencher o Imposto de Renda, no Brasil, chega a ser anedótico”, diz ele, referindo-se aos milhares de contenciosos, passivos cíveis e trabalhistas e complexidades da legislação. Com o intuito de fortalecer os pontos levantados, Lisboa garante que temos condições de estudar um processo com regras de transição, que não seja aplicado de supetão, mas que leve de uma a duas décadas, de modo a se criarem “regras críveis” que resgatem a credibilidade do Brasil.

A abertura da economia é, claramente, um caminho profícuo para a logística de um país. O mercado protecionista que, teoricamente, “iguala condições”, gera distorções na realidade, não apenas fortalecendo pontos que muitas vezes não são a vocação do País, mas também desfavorecendo setores que mereceriam investimento, e acabam ficando para trás. “Com a indústria protegida, ficamos reféns de políticas que fracassam. Um exemplo foi a indústria automobilística, que recebeu diversos benefícios e hoje apresenta uma frota ociosa de 50% dos caminhões, 30% dos ônibus e 20% dos carros – isso sem falar nos custos logísticos”, exemplificou Marcos Lisboa, citando uma frase que o escritor norte-americano Truman Capote atribuiu a Santa Teresa D’Ávila: “há mais lágrimas derramadas sobre as preces atendidas do que sobre as não atendidas”. Com a menção à santa, Lisboa lembra que é necessário foco, planejamento, abertura de mercado e competitividade. “Sem isso, mesmo com a proteção, o país só tende a ficar mais pobre”, reforça.

Marcos Lisboa reconhece que o Brasil chegou a melhorar muito nos últimos vinte anos, especialmente no período compreendido entre 1990 e 2008. Porém realça que estamos atualmente em uma situação completamente desfavorável, com a economia decrescente e um “nó tributário” bastante complexo. “Nossa grave recessão começou em 2014. Em 2016, cada brasileiro fechará o ano 10% mais pobre do que começou”, estimou o economista, que questionou: "O que pode ter dado tão errado?"

Acompanhe a resposta à pergunta de Marcos Lisboa e a parte II da palestra do economista na próxima edição do Guia Marítimo desta terça-feira, 12 de abril. Leia no Guia.

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