Maersk oficializa proposta pela Hamburg-Süd
Ainda sujeita a uma série de aprovações pelas autoridades competentes, a nova parceria começa a se desenhar
Depois de quase duas semanas de expectativas, permeadas por mais rumores do que confirmações, o Grupo Oetker enviou finalmente um informativo oficial ao mercado, no qual divulga que a empresa desvincula de suas atuações o transporte marítimo, e vende a Hamburg-Süd. Junto com o armador, o grupo se desfaz também de todos os serviços e empresas relacionadas, bem como a maior parte de seu patrimônio.
O Grupo Oetker informou que a transação deverá se alongar até pelo menos o fim de 2017, uma vez que serão necessárias uma série de aprovações de órgãos reguladores das atividades comerciais.
Com cerca de 4,1 milhões de Teus disponíveis, e uma capacidade de aproximadamente 625.000 Teus, a Hamburg-Süd figura entre as dez maiores companhias de navegação em containers do mundo. Rotas não regulares, tanques e outras operações somam 7% do faturamento total de € 6,1 bilhões da empresa alemã, que contribui com quase 50% das receitas totais do grupo (segundo resultados do balanço publicado no ano fiscal de 2015).
Criada em novembro de 1871 por onze companhias de Hamburgo, na Alemanha, a Hamburg Südamerikanische Dampschifffahrtsgesellschaft (Hamburg-Süd) começou a atender a rota intercontinental que ligava os portos europeus ao Brasil e à Argentina logo no ano seguinte. O Brasil vivia justamente uma época em que seu imperador viajava o mundo para criar laços, adquirir informações e desenvolver o comércio exterior. Dom Pedro II fez três grandes viagens na vida, que renderam ao País expertise suficiente para dar início às obras de infraestrutura e aos laços comerciais que desenvolveriam a nação recém-desvinculada da coroa portuguesa. Até hoje, o mercado atendido pela Hamburg-Süd na costa leste da América do Sul ainda forma a base de seus serviços globais, embora a rede tenha se expandido largamente no mundo todo.
Apesar das condições adversas, a Hamburg-Süd conseguiu se manter com certa tranquilidade no mercado, capaz de financiar a expansão da companhia e a inclusão de ativos a partir de seu próprio fluxo de caixa. Mesmo assim, os proprietários e o conselho diretivo do armador reconhecem que, manter a sua presença ativa em um mercado repleto de consolidações demandaria muito mais capital, o que o Grupo Oetker considera que poderia alterar o portfólio de riscos do conglomerado. Desta maneira, a empresa decidiu passar a Hamburg-Süd para novas mãos.
Em relatório publicado ontem, a Drewry comentou: “ironicamente, a Maersk deve manter a Hamburg-Süd como uma marca separada”. A consultoria britânica explicou que considera a decisão irônica pelo fato de a própria Hamburg-Süd ter sido construída historicamente sobre aquisições que absorviam as marcas das empresas compradas, como aconteceu com a Deutsche Levante Linie (1956), a Atlas Levante Linie (1967) e a Deutsche Nah-Ost Linien (1986), além de outras 21 negociações realizadas pelo armador alemão em um período de 26 anos.
Não por coincidência, a maioria dessas transações envolveram mercados sulamericanos, como a Columbus Line, lançada em 1957 e fechada em 2004, e a afiliada brasileira Aliança Navegação e Logística. Embora a brasileira Aliança e a chilena CCNI (cuja compra foi concluída em março de 2015) ainda mantenham as marcas separadas, é fato conhecido do mercado que suas operações são controladas pela Hamburg-Süd.
A Drewry alerta, no entanto, que a América do Sul ainda pode reservar algumas surpresas para esse período de aprovações, lembrando que a Maersk Line também opera no mercado por meio da sua representante local Mercosul, herdada da aquisição da P&O Nedlloyd em 2005-6. De acordo com cálculos do Dynamar, o alcance das companhias na região excede os 60% permitidos, e o mercado, que já opera com um número bastante enxuto de quatro companhias de peso (incluindo LogIn e MSC), pode ficar ainda mais restrito, dependendo dos termos definidos pelas autoridades de regulamentação comercial.
O processo de compra
Após uma série de negociações com vários interessados, o Grupo Oetker decidiu passar a empresa para a Maersk Line A/S, Copenhagen, de origem dinamarquesa e cultura bastante similar. O acordo, porém, ainda está sujeito a um processo de verificação de contrato (Due Diligence), assim como à aprovação por parte das autoridades comerciais competentes.
Em nota oficial, o Grupo Oetker classifica a Maersk Line, líder mundial da navegação, como “o parceiro ideal para manter e ampliar o bem-sucedido modelo de negócios implantado na empresa até hoje”. Com uma sólida permanência no mercado, a Maersk é de fato o parceiro mais óbvio e condizente com a compra.
Em entrevista ao Guia Marítimo, Ark Tan, gerente comercial da chinesa Cosco Shipping, disse que o quesito cultural conta bastante na hora de escolher um parceiro. “Maersk e Hamburg-Süd são ambas europeias, possuem os mesmos conceitos e mercados similares, o que facilita a fusão”. Tan lembra que, no passado o armador dinamarquês havia cogitado a compra da então operacional Hanjin, e que as negociações não foram adiante. A Cosco completa, neste mês de dezembro, um ano de operações conjuntas após a fusão com a conterrânea CSCL (China Shipping Container Lines).
Segundo o Alphaliner, analistas do mercado francês haviam cogitado a CMA CGM como possível candidata à compra da Hamburg-Süd. Enquanto as notícias ainda eram rumores, a mídia internacional afirmava que, apesar de a Maersk ser considerada a principal candidata à compra da Hamburg-Süd, poderia encontrar alguma concorrência por parte da CMA CGM, que aparentemente estava propensa a manter o momentum de crescimento garantido após a conclusão da compra da APL, que aconteceu em junho deste ano (Leia no Guia). Entretanto, o próprio Alphaliner acrescentou: “o problema é que a situação atual de dívidas da CMA CGM poderá limitar o preço que o armador estaria disposto a pagar pela Hamburg-Süd – embora isso não tenha impedido o armador francês de oferecer uma proposta de compra”.
O oceano em blocos
Segundo o Journal of Commerce, se a Hamburg-Süd avaliou como necessária a venda diante das consolidações mundiais, os armadores independentes e de menor porte vêm sofrendo ainda mais pressões para “saltar para bordo do trem das consolidações”. Assim aconteceu recentemente com as três companhias japonesas MOL, K-Line e NYK, que optaram pela fusão em uma clara opção por ganho de escala. (Leia no Guia).
Por hora, o que se sabe é que, partir de abril de 2017, o mundo da navegação se dividirá em três grandes alianças: sob o guarda-chuva da Ocean Alliance, teremos China Cosco, Evergreen, CMA CGM e OOCL; a THE Alliance trará reunidas as três companhias japonesas recém agrupadas (MOL, NYK e K-line), mais a Hapag-Lloyd e a Yang Ming; e, por fim, a já forte aliança 2M (Maersk e MSC) começará a considerar a inclusão da Hamburg-Süd, cuja negociação de compra estará em pleno andamento no mês que mudará o cenário marítimo. Porém, até lá, a única informação previsível é que muita água ainda deve rolar.
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