Mercado brasileiro recepciona regulamentação de energia eólica offshore

Atualmente, no Brasil, toda a geração de eletricidade renovável oriunda de fontes eólicas é decorrente de usinas terrestres (onshore), não havendo, até o momento, usinas marítimas (offshore) operantes - em que pese, segundo dados do IBAMA, existam em análise projetos de parques eólicos offshore com aproximadamente 46 gigawatts de potência, distribuídos por cerca de 23 projetos a serem desenvolvidos em diversos Estados brasileiros.

Há que se ressaltar também o potencial ainda adormecido de exploração do mercado de hidrogênio verde, incipiente no Brasil, o qual poderá aproveitar a energia eólica offshore para fins do processo de eletrólise (utilização da eletricidade para decompor a água em oxigênio e hidrogênio), o que poderia contribuir para um aumento maior dessa matriz no Brasil.

Endereçando a lacuna regulatória existente para usinas marítimas, o governo federal editou, em 25 de janeiro de 2022, o Decreto nº 10.946/2022, o qual entrará em vigor em 15 de junho de 2022 e regulamenta a cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais para geração de energia elétrica a partir de empreendimentos eólicos offshore.

A norma regulamenta que a autorização do direito de uso de bens da União em espaços físicos localizados em águas interiores, no mar territorial e o aproveitamento dos recursos naturais na zona econômica exclusiva e na plataforma continental para geração de energia elétrica offshore será autorizada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), mediante celebração de contrato de cessão de uso onerosa de bem público, observados certos dispositivos legais.

Neste sentido, a cessão de uso - que será onerosa quando tiver por finalidade a exploração de central geradora de energia elétrica offshore e gratuita quando tiver por finalidade a realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico - se dará por meio de: (i) cessão planejada, a qual consiste na oferta de prismas previamente delimitados pelo MME a eventuais interessados, mediante processo de licitação; ou (ii) cessão independente, a qual envolve a cessão de prismas requeridos por iniciativa dos interessados em explorá-los – após ser obtida a cessão de uso, deverão ser conduzidos pelo empreendedor os estudos necessários para identificação do potencial energético offshore, observados critérios e prazos a serem definidos em ato específico do MME.

Com relação à outorga para exploração do serviço de geração de energia elétrica, esta deverá ser requerida à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) quando da conclusão dos estudos para identificação do potencial de geração, sendo que, de acordo com o Decreto, o MME poderá ainda delegar à Aneel as competências para firmar os contratos de cessão de uso e para realizar os atos necessários à sua formalização.

Assim, a regulamentação é muito bem recebida pelo mercado, eis que corrobora práticas de sustentabilidade e ESG, cada vez mais adotadas por empresas de diversos setores da economia brasileira na busca de reduzir os impactos ambientais decorrentes de sua atividade produtiva por meio do consumo de fontes de energia renovável.

Nesta linha, diversas empresas consumidoras de elevadas quantidades de energia elétrica vêm buscando alternativas que estejam alinhadas com suas metas de sustentabilidade e têm optado por modelos como, por exemplo, contratação de energia no mercado livre e a autoprodução de energia elétrica – modalidade em que a empresa consumidora de energia terá direito a determinados descontos nas tarifas e encargos setoriais incidentes sobre a energia efetivamente produzida por suas usinas e consumida exclusivamente por suas atividades produtivas – a qual poderá também ser aplicada para projetos eólicos offshore.

Superada a lacuna regulatória, outro grande desafio que deverá ser enfrentado pelos empreendedores para a implementação de eólicas offshore no território nacional está associado aos elevados custos para estudos de desenvolvimento, construção e operação de projetos desta natureza, haja vista as suas características especificas e a alta tecnologia dos equipamentos necessários para a fundação e instalação de torres eólicas em ambientes marinhos (atualmente sem produção nacional).

Portanto, vem em boa hora a promulgação do Marco Legal do Mercado de Câmbio (Lei nº 14.286/2021), – que entrará em vigor 1 ano após sua publicação – prevendo expressamente a indexação em moeda estrangeira de contratos firmados entre exportadores e empresas que exploram projetos em diferentes setores de infraestrutura por meio de concessão, permissão, autorização ou arrendamento.

Embora determinados aspectos da referida lei estejam sujeitos a regulamentação posterior pelo Banco Central do Brasil (inclusive, eventualmente, a definição de exportadores para os fins acima indicados), fato é que se traduz em grande potencial de impacto positivo ao financiamento de longo prazo para projetos de infraestrutura, como os eólicas offshore, haja vista ser essa uma demanda de longa data do mercado e que terá a capacidade de ampliar substancialmente as alternativas de funding em moeda estrangeira ao permitir um endereçamento mais claro do risco de desvalorização cambial comumente presente nesse tipo de operação – inobstante o mercado de energia já venha implementando estruturas jurídicas sofisticadas que abordam, do ponto de vista legal e contratual, tais riscos com base na regulamentação vigente.

*Thiago Vallandro Flores e Rodrigo Murussi são, respectivamente, sócio coordenador e associado pleno da área de Financiamento de Projetos no Dias Carneiro Advogados.

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Opinião

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