A BRUXA ESTÁ SOLTA?!
Ao longo dos últimos meses vários acidentes e incidentes envolvendo navios vêm sendo reportados, o que, além de mortos, feridos e prejuízos financeiros, também coloca ainda mais pressão sobre na já sofrível situação de muitas cadeias logísticas internacionais. No mais recente episódio (ao menos até a publicação desse artigo), ocorrido em 03 de Junho, o navio OOCL DURBAN colidiu contra um guindaste no porto taiwanês de Kaohsinung levando-o ao colapso e ferindo ao menos um operador.
Dias antes o recém batizado X-PRESS PEARL começou a afundar após queimar por mais de uma semana em virtude de uma explosão a bordo provocada pela combustão de carga perigosa. Felizmente toda a tripulação conseguiu abandonar o navio e ninguém se feriu.
Para ficar apenas nas principais ocorrências do último mês maio, ainda vale mencionar:
- O navio RoRo BYAKKO afundou após ser colidido pelo navio tanque ULSAN PIONEER na costa japonesa e, embora nove tripulantes tenham sido resgatados com vida, haviam três desaparecidos, dentre eles o comandante;
- Poucos semanas após fatídico caso do EVER GIVEN, o conteineiro MAERSK EMERALD também encalhou no canal de Suez após sofrer um problema de máquina e bloqueou a passagem por algumas horas. Não há registros de feridos;
Além desses, também assistimos recentemente um aumento importante nos episódios de containers “perdidos” ao cair dos navios durante tempestades nos oceanos. Vale aqui observar que, enquanto parte das fileiras de container desses navios colapsaram, outras ficaram intactas, sugerindo a possibilidade de problemas na apeação dos containers em alguns portos. Coincidência, ou não, o fato é que esses casos se intensificaram desde a explosão da demanda na segunda metade de 2020, ao mesmo tempo que a produtividade dos terminais piorava devido ao afastamento de estivadores contaminados pela Covid e as tripulações vinham sendo forçadas a trabalhar por muito mais tempo que o normal devido às restrições de trânsito impostas pelos países (há registros de tripulantes que passaram mais de 1 ano trabalhando direto, sem conseguir voltar para casa, em razão dessas restrições).
A situação é tão séria que a ICS – Câmara Internacional de Transporte Marítimo – está novamente pedindo que os navios atracados toquem suas buzinas às 12h do próximo dia 25/06, em protesto contra maiores restrições que estão sendo impostas ao desembarque e embarque para troca da tripulação, visando limitar a propagação das temidas novas variantes da COVID. Houve até o triste caso de um comandante Italiano de 61 anos que faleceu de COVID a bordo do navio ITAL LIBERA em rota de Durban para Cingapura, que passou mais de dois meses sem permissão para atracar em portos asiáticos e acabou declarando “força maior” para ir à Itália desembarcar o corpo.
Embora toda essa situação tenha sido catalisada pela: pandemia, mudança nos hábitos de consumo das famílias (de serviços para produtos) provocada pelas medidas de isolamento social, pelos incentivos fiscais dos governos, desequilíbrio nos estoques de vazios, falta de capacidade extra de navios e contêineres, entre outros, é muito difícil apontar um só motivo para todos esses acidentes/incidentes. O fato é que o “sistema” está operando muito acima das suas margens de segurança e acabou se afundando num perigoso ciclo VICIOSO.Ainda que a situação possa voltar ao “normal” com um possível arrefecimento da demanda (em virtude do avanço das vacinas) e/ou com a chegada de novos navios (a partir de 2023), provavelmente a construção de um verdadeiro ciclo VIRTUOSO na logística internacional passa pela quebra de paradigmas por parte de todos os elos cadeia logística, por exemplo:
Ampla revisão das relações comerciais: “Descomoditização” dos fretes com contratos mais longos que contemplem ao menos o tempo de construção de novos navios;
O lucro dos armadores deveria deixar de ser considerado “pecado”, assim como as demandas dos clientes por maior transparência, previsibilidade dos fretes/embarques e melhora nos níveis de serviço precisam deixar de serem consideradas “chatices”;
Evidente que essas iniciativas ainda podem parecer utópicas para alguns e incoerentes para outros, contudo o passo mais importante nesse momento talvez seja deixar de lado aquela velha cultura de caça às bruxas (culpados) e começar logo uma busca por soluções estruturais.
Resta aqui a esperança de que, diante de tudo o que o setor e o mundo estão passando, todos os envolvidos (armadores, donos/agentes de carga, terminais autoridades etc) tenham maturidade para assimilar as lições e possam, com muita humildade, buscar evoluir e inovar.
Leandro Barreto, Sócio-Consultor SOLVE Shipping
Administrador de empresas, especializado em economia internacional pela Universidade de Grenoble e em Inteligência Competitiva pela FEA/USP. Há mais de dez anos atuando no segmento, foi gerente de Inteligência de Mercado na Hamburg-Süd, professor pelo IBRAMERC e Diretor de Análises da Datamar Consulting. Atualmente, coordena projetos independentes de consultoria com forte atuação junto a armadores, autoridades portuárias, embarcadores e entidades públicas voltadas para o desenvolvimento do setor portuário.
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