Setor marítimo impõe primeira taxa global de carbono em revés histórico para a indústria fóssil

Navegação também estabelece regra internacional para substituir combustíveis fósseis por alternativas de baixo carbono

A Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) da ONU chegou a um acordo nesta sexta-feira, 11, em Londres, para a adoção de um esquema global de precificação das emissões das embarcações. A decisão passa a valer a partir de outubro e é um passo fundamental para a transição energética no transporte marítimo, com impactos significativos para a indústria petroleira em todo o mundo.

A navegação responde sozinha por 5% do consumo de combustíveis fósseis, mais do que qualquer país, exceto EUA e China. Com isso, o setor é um dos principais agressores climáticos em nível global. A decisão na ONU sinaliza uma redução da demanda futura por petróleo, dada a importância do setor para a indústria fóssil.

Em 2023, um acordo histórico estabeleceu que o setor faria uma redução de emissões de pelo menos 20% até 2030, com esforço para alcançar 30%; e uma transição equitativa para emissões líquidas zero até 2050. E a principal medida para induzir essas reduções seria uma cobrança pelas emissões – o formato para essa precificação foi definido agora e ele é ambicioso.

O entendimento obtido hoje estabelece também um padrão global para combustíveis marítimos que deve acelerar a corrida tecnológica por novos combustíveis de emissão zero. A partir de 2028, todos os navios do mundo terão que começar a usar uma mistura de combustíveis com menor intensidade de carbono ou pagar pelo excesso de emissões. Um navio que continuar utilizando combustível fóssil convencional terá que pagar uma taxa de US$ 380 por tonelada sobre as emissões mais intensas, e US$ 100 por tonelada sobre as emissões restantes que ultrapassarem um limite inferior.

As ameaças do presidente dos EUA, Donald Trump, ao processo da IMO foram amplamente ignoradas pelos países reunidos em Londres, o que foi interpretado por observadores como um sinal de força do multilateralismo.

Havia o temor de que a linguagem do acordo, muito baseada em intensidade de carbono, pudesse deixar uma porta aberta para o uso de gás fóssil (GNL, gás natural liquefeito), mesmo que no curto prazo. Mas a decisão indica que esse combustível passará a ser cada vez mais penalizado ao longo da década de 2030, enfraquecendo desde já o modelo de negócios para navios movidos a GNL.

A arrecadação desta taxa deve gerar de US$ 30 e US$ 40 bilhões até 2030, cerca de US$ 10 bilhões por ano, que deverão ser aplicados no uso de energia limpa nos navios. Os Estados Insulares do Pacífico tinham a expectativa de que a taxa fosse mais agressiva a ponto de compensar a lacuna de financiamento climático deixada pelos países ricos — uma visão que sempre foi rechaçada pelo Brasil e por outros países em desenvolvimento. Mas entre os especialistas há dúvidas se a arrecadação será suficiente para garantir a “transição justa e equitativa” no próprio setor, como prometido pela IMO.

Os países votaram o compromisso proposto pela presidência da reunião, após objeções da Rússia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e outros petroestados, tanto sobre os procedimentos quanto sobre o suposto “alto nível de ambição” das discussões. A votação foi convocada a pedido desses países:

- 63 países votaram a favor: incluindo Brasil, China, União Europeia, Índia, Japão, Coréia, África do Sul, Singapura, Noruega e outros.

- 16 países votaram contra: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Omã, Venezuela, Rússia e outros petroestados.

- 25 países se abstiveram: incluindo Estados Insulares do Pacífico (Kiribati, Fiji, Ilhas Marshall, Ilhas Salomão, Tonga, Tuvalu, Nauru, Palau e Vanuatu), Seychelles, Argentina e outros.

Tuvalu expressou preocupações em nome dos países do Pacífico durante a plenária, destacando a necessidade de incentivos energéticos mais robustos. Uma declaração desses países será publicada em breve.

Mark Lutes, Conselheiro Sênior do WWF para Política Climática Global, disse: “Este é um momento histórico para a indústria naval, que deve representar uma virada no combate aos gases de efeito estufa provenientes do transporte marítimo global. Este é o primeiro acordo internacional que coloca todo um setor em um caminho obrigatório de redução rumo ao zero líquido. No entanto, aspectos importantes deste acordo ficam aquém do necessário e correm o risco de desviar a transição do rumo certo. Para garantir o cumprimento da meta de emissões líquidas zero até 2050, os países e a indústria naval precisarão aproveitar ao máximo os incentivos e os sinais deste acordo para reduzir as emissões mais rapidamente e direcionar os financiamentos necessários para combustíveis e fontes de energia sustentáveis com emissão zero ou quase zero.”

Ralph Regenvanu, Ministro da Mudança Climática, Meteorologia, Riscos Geológicos, Meio Ambiente, Energia e Gestão de Desastres de Vanuatu, disse: “Vamos deixar claro quem abandonou a meta de 1,5°C. Arábia Saudita, EUA e aliados fósseis reduziram os números a um nível insustentável e bloquearam o progresso em todas as frentes. Esses países – e outros – falharam em apoiar um conjunto de medidas que colocariam o setor marítimo no caminho de 1,5°C. E rejeitaram uma proposta que ofereceria uma fonte confiável de financiamento para aqueles de nós que precisam desesperadamente de recursos para lidar com os impactos climáticos.”

Emma Fenton, Diretora Sênior de Diplomacia Climática da Opportunity Green, disse: “A IMO tomou uma decisão histórica, mas que falha com os países mais vulneráveis ao clima e fica aquém tanto da ambição que a crise climática exige quanto dos compromissos assumidos pelos Estados-membros há apenas dois anos".

Jamie Yates, analista de Clima e Energia Renovável da Pacific Environment, disse: “Este é um momento importante, em que a IMO definiu metas, mas falhou em atender à sua própria ambição de garantir uma transição justa e equitativa, além de não incentivar adequadamente soluções sustentáveis de longo prazo para combustíveis e tecnologias. Continuamos comprometidos em defender as reduções de emissões e os recursos necessários para enfrentar os danos que os países vulneráveis enfrentarão cada vez mais.”



Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do Guia Marítimo. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.