Quanto custa (não) descarbonizar?
Aconteceu em São Paulo há alguns dias a terceira edição do Hydrogen Dialogue Latam, promovido pela Nürnberg Messe, Guia Marítimo e AHK, no qual por dois dias um público bastante seleto acompanhou atentamente as palestras e painéis de debate sobre descarbonização.
No que se refere à correlação entre as emissões de CO2, o aquecimento global e os crescentes eventos climáticos extremos, as vidas perdidas e os prejuízos trilionários gerados em todo o mundo pelos recentes eventos deveriam ser suficientes para catalisar as ações em torno dessa agenda. Mas, na prática, apesar de muitas promessas globais, a concentração de CO2 na atmosfera atingiu 420 ppm em 2023, recorde histórico e 151% acima dos níveis pré-industriais, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Instituições renomadas vêm oferecendo posições contundentes sobre o tema. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) destacou que as emissões de gases de efeito estufa estão acelerando o aquecimento global, aumentando a frequência e intensidade de eventos climáticos como ondas de calor, secas e tempestades severas (IPCC, 2021), enquanto a NASA afirmou que o aumento dos níveis de CO₂ na atmosfera está diretamente correlacionado com desastres naturais mais intensos, incluindo furacões e inundações devastadoras.
Para citar apenas algumas dessas recentes tragédias, temos: 4 enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul em menos de 1 ano, seca severa na Amazônia por 2 anos seguidos, 2 vendavais fortes em São Paulo (seguidos de longos apagões) em menos de 1 ano, surgimento de pastagens na Antártica, flores roxas em pleno inverno no Atacama, enchente no Saara, furacões devastadores em sequência nos EUA, enxurrada na Espanha, entre muitos outros eventos mundo a fora.
O papel do Transporte Marítimo
Se por um lado o transporte marítimo é fundamental para o comércio internacional, movimentando mais de 90% das mercadorias comercializadas no mundo (em volume), por outro lado, mesmo sendo o modal mais eficiente do ponto de vista de emissões por tonelada transportada, o setor é responsável por aproximadamente 3% das emissões globais de CO₂ - equivalente às emissões da Alemanha ou do Japão, o que tem pressionado essa indústria a buscar alternativas mais sustentáveis, tanto no que diz respeito ao desenvolvimento de novos “combustíveis verdes” quanto na revisão de usos e costumes, tais como tamanhos, idade, rotas, níveis de utilização e velocidade dos navios.
A exemplo do que ocorre nos demais setores, a transição para combustíveis verdes no transporte marítimo apresenta enormes desafios, com implicações econômicas, tecnológicas e ambientais significativas. Pode-se dizer que a descarbonização do setor marítimo será bastante complexa devido a sua natureza global, diversidade de embarcações e a longa vida útil dos navios.
Combustíveis Verdes: Prós e Contras
Ao contrário das últimas transições energéticas no transporte marítimo (da vela para o vapor e do vapor para o petróleo), provavelmente não haverá unanimidade quanto ao “combustível ideal” para substituir os combustíveis fósseis. Todas as principais alternativas pesquisadas atualmente apresentam virtudes e limitações:
Inicialmente uma defensora ferrenha do e-metanol, a Maersk mudou recentemente seu tom em favor de uma estratégia multicombustível (convencional, LNG e e-metanol). Após longo período de contenção nas encomendas de novos navios, tentando viabilizar o fornecimento seguro e economicamente viável de e-metanol, os dinamarqueses recém anunciaram um programa maciço de encomendas de novos navios, equivalente a 800.000 teu (cerca de 60 porta-contêineres) entre embarcações próprias e afretadas a longo prazo.
Os temores de fornecimento insuficiente de e-metanol se multiplicaram esse ano, pois os custos de processamento do combustível se mostraram mais altos do que o esperado e a produção planejada ainda não decolou. Um levantamento recente mostrou que mais de dois terços das instalações planejadas para produção de e-metanol ainda não receberam aprovação final e/ou recursos para iniciar a construção.
Há pouco tempo uma análise do Alphaliner demonstrou que as preocupações sobre a disponibilidade futura e o custo do metanol verde também estão claramente refletidas nas encomendas dos demais armadores. Depois de dominar o mercado de novas construções em 2023 (51% das encomendas), as contratações de navios movidos a e-metanol caíram drasticamente nos primeiros dez meses de 2024 (-21%).
Em contrapartida o LNG, considerado um combustível de transição, dado que se trata de combustível fóssil que reduz, mas não elimina as emissões de CO2, vem se consolidando como a principal escolha de curto/médio prazo pelos armadores no caminho para a descarbonização. Até o dia 14 de outubro a Alphaliner relatou total de 264 navios encomendados aos estaleiros, com capacidade total equivalente a 3,11 Mteu, sendo 1,76 Mteu (55%) movidas a LNG. Ou seja, quadruplicando os 440.000teu contratados em 2023.
Em paralelo, o “Mærsk Mc-Kinney Møller Center for Zero Carbon Shipping” divulgou resultados de uma pesquisa abrangente explorando as percepções da comunidade marítima sobre a amônia como combustível marítimo alternativo. A pesquisa, conduzida com mais de 2.000 entrevistados do setor marítimo, incluindo 1.435 marítimos, revelou que 58,6% dos participantes estão dispostos a navegar ou trabalhar com embarcações movidas a amônia, embora ainda haja preocupações significativas sobre sua segurança, manuseio e a necessidade de treinamento abrangente.
Já a CMA CGM assinou um memorando de entendimento com sua compatriota Suez Energia para que esta produza 100.000 toneladas de biometano anualmente até 2030. Até 2028, a CMA CGM terá mais de 130 embarcações capazes de operar com biometano, biometanol ou combustível sintético. Ainda assim esse acordo será suficiente apenas para uma pequena fração da demanda dos franceses.
A Hapag-Lloyd revelou, por sua vez, que já tem o projeto conceitual para construção de um porta-contêineres de 4.500 TEU assistido por vento. A embarcação, que deverá ser destinada ao comércio transatlântico, será equipada com oito velas rígidas retráteis, capaz de navegar a 15,5 nós em média.
À medida que a transição energética do transporte marítimo continua avançando gradualmente, a energia nuclear também vem ganhando espaço na agenda. O Presidente e CEO da Mitsui O.S.K. Lines, Takeshi Hashimoto, um dos principais acionistas da ONE disse recentemente: “o transporte marítimo precisará de diferentes combustíveis, incluindo o nuclear. O nuclear será necessário”.
De acordo com a Offshore Energy, no curto/médio prazo os combustíveis verdes poderão custar entre 2 a 6 vezes mais que o combustível fóssil convencional utilizado no setor de transporte marítimo, dependendo do tipo de combustível e da tecnologia utilizada. Por exemplo:
• Hidrogênio verde: de 3 a 6 vezes mais caro por conta dos altos custos de produção, armazenagem e distribuição;
• Amônia verde: cerca de 2 a 4 vezes mais cara do que os combustíveis fósseis;
• Biocombustíveis: Dependendo da fonte e do tipo, podem ser de 1,5 a 3 vezes, contudo enfrentam a discussão sobre competir com a produção de alimentos (Fuel x Food).
Essas disparidades de preço tendem a diminuir à medida que as tecnologias amadureçam, economias de escala sejam atingidas e as autoridades definam um modelo justo e eficiente para taxar as emissões de CO2, tornando o uso de combustíveis fósseis menos competitivos.
Hydrogen Dialogue Latam
Os portos do nordeste do Brasil, abundantes em sol e vento, vêm se consolidando como potenciais líderes globais na produção de hidrogênio verde para fornecimento ao crescente mercado europeu de energia limpa, conforme demonstrado pelo Vice-Presidente de Pecém, Fabio Grandchamp, e pelo Diretor de Sustentabilidade do Porto de Suape, Carlos Cavalcanti.
Para além de todo o conhecimento adquirido e da empolgação com as boas perspectivas que essa transição pode oferecer ao Brasil, um dos dados que mais chamou minha atenção ao longo evento foi o de uma pesquisa compartilhada pela executiva da PwC, Melissa Schielch – Diretora de ESG, demonstrando que embora a imensa maioria dos investidores busquem alocar recursos em projetos ambientalmente corretos, eles majoritariamente não aceitam obter retornos financeiros inferiores aos obtidos em projetos tradicionais!
Isso vai totalmente de encontro ao que tenho notado nas palestras que tenho ministrado para exportadores/importadores em diferentes Estados brasileiros e que inclusive tive a oportunidade de compartilhar no painel que participei nesse evento: “A Descarbonização da Cadeia Logística Integrada”. O embarcador vem cada dia mais questionando sobre o “transporte verde”, e no mercado brasileiro até já são oferecidos serviços de compensação das emissões de carbono no transporte marítimo, porém, são raros os clientes que se dizem dispostos a arcar com esse custo adicional!
Outra reflexão bastante profunda que ouvi no evento partiu do moderador do painel que participei – Luís Marques, CEO DB Schenker Brazil & Argentina, que disse: “o caminho verde não é o mais fácil, nem o mais barato”.
Claro que a descarbonização das cadeias logísticas será essencial para atingir as metas globais, mas os desafios técnicos e econômicos para a adoção de combustíveis verdes são significativos. Portanto, para 2030 a redução de 40% nas emissões de CO2 (em relação a 2008) proposta pela IMO passa necessariamente por: eficiência energética obtida pelo crescimento de tamanho dos navios, sucateamento de navios antigos, redução da velocidade de navios ineficientes e navios operando cada vez mais cheios. Já no que se refere à meta de zerar as emissões em 2050, isso demandará: investimentos em pesquisa/desenvolvimento, cooperações globais e taxações sobre as emissões carbono (visando diminuir a diferença de custo entre os combustíveis verdes e os fósseis). Um posicionamento mais claro da IMO, incluindo “mandates”, faria toda a diferença. Trazendo escala, previsibilidade em demanda (acelerando investimento e reduzindo custos) e competitividade justa entre os players.
O que todas essas iniciativas têm em comum é o fato de que encarecerão os fretes (nada que se compare com os impactos causados pela pandemia ou pelo fechamento do canal de Suez) e os exportadores/importadores precisam começar a verdadeiramente se preparar para isso.
Perguntas que permanecem sem resposta:
• Quanto custa a descarbonização versus o que governos e sociedade têm gastado com esses eventos climáticos extremos?
• Os novos combustíveis verdes são caros ou o combustível fóssil está barato diante dos estragos que vêm proporcionando?
• Quando investidores e embarcadores mergulharão nessa agenda?
• Que governos iniciarão um programa sério de taxação das emissões de CO2, com todos os reflexos que isso poderá ter sobre a inflação e os juros?
• Não seria mais viável atrair “indústrias verdes” para produzir no Brasil ao invés de exportar hidrogênio verde para as indústrias europeias (com enormes desperdícios ao longo da viagem)?
• Como vai ficar a competitividade do transporte de cabotagem quando as emissões dos navios passarem a ser reguladas e taxadas internacionalmente, enquanto governos locais não taxarem as emissões dos caminhões?
Enfim, o “mindset” precisa mudar, e rápido! É preciso falar em regulamentação/taxação do carbono ao invés do “prêmio” das energias alternativa (ou que essas são mais caras). Onde entra o impacto negativo dos combustíveis fósseis nessa equação? Somente esse custo por tonelada de emissão de CO2 tornará as coisas mais comparáveis.
• Quanto custa a descarbonização versus o que governos e sociedade têm gastado com esses eventos climáticos extremos?
• Os novos combustíveis verdes são caros ou o combustível fóssil está barato diante dos estragos que vêm proporcionando?
• Quando investidores e embarcadores mergulharão nessa agenda?
• Que governos iniciarão um programa sério de taxação das emissões de CO2, com todos os reflexos que isso poderá ter sobre a inflação e os juros?
• Não seria mais viável atrair “indústrias verdes” para produzir no Brasil ao invés de exportar hidrogênio verde para as indústrias europeias (com enormes desperdícios ao longo da viagem)?
• Como vai ficar a competitividade do transporte de cabotagem quando as emissões dos navios passarem a ser reguladas e taxadas internacionalmente, enquanto governos locais não taxarem as emissões dos caminhões?
Enfim, o “mindset” precisa mudar, e rápido! É preciso falar em regulamentação/taxação do carbono ao invés do “prêmio” das energias alternativa (ou que essas são mais caras). Onde entra o impacto negativo dos combustíveis fósseis nessa equação? Somente esse custo por tonelada de emissão de CO2 tornará as coisas mais comparáveis.
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