Como a China se tornou a “fábrica do mundo?”

Não é novidade que a China é o maior exportador do mundo, mas como o gigante asiático chegou a esse patamar? Para entender a origem desse crescimento, é necessário um contexto histórico sobre o país, que é um dos mais antigos da humanidade, com mais de quatro mil anos.

As primeiras descobertas chinesas incluíram seda, chá e porcelana, impulsionando o comércio através da Rota da Seda terrestre e marítima, conectando a China a impérios vizinhos e até mesmo ao Império Romano. Invenções locais como papel, bússola e pólvora surgiram, enquanto Zheng He liderou expedições marítimas no século XV, facilitando trocas comerciais e culturais. Apesar de períodos difíceis, como o século XIX de semi-colonização e o Grande Salto para a Frente, a China estabeleceu importantes portos comerciais e bases industriais, como durante o governo de Mao Tsé-Tung, que, apesar de alguns fracassos, estabeleceu a infraestrutura para o crescimento econômico futuro, destacado pela Feira de Cantão, a maior feira de exportação do mundo.

Todo esse contexto histórico contribuiu para a China se tornar o maior exportador mundial, mas foi a reforma e abertura econômica em 1978 que potencializou isso e alçou o país à condição inconteste de “fábrica do mundo”. Em 1978, Deng Xiaoping iniciou a reforma e abertura econômica da China. Entre suas principais medidas, estavam: (i) abertura ao investimento estrangeiro, por meio de joint-ventures, para transferência de know-how tecnológico e produtivo aos chineses; e (ii) criação das ZEE’s (Zonas Econômicas Especiais), cidades e zonas-piloto para promoção do livre comércio e fomento da inovação e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), sendo Shenzhen a pioneira em 1979.

Mas afinal, qual o resultado inicial disso? O impacto foi enorme, com diversas multinacionais, de setores variados, estabelecendo fábricas na China para aproveitar a mão-de-obra barata e abundante, pois no início da década de 80 a China já tinha aproximadamente 1 bilhão de pessoas. Adicionalmente, a pouca regulamentação do direito trabalhista e a inexistência de políticas ambientais nesse período na China também atraíram o investimento estrangeiro.

No mercado interno chinês, diversas empresas locais surgiram copiando produtos de marcas ocidentais, por meio de processos de engenharia reversa. Já na década de 90, Hong Kong (1997) e Macau (1999) foram formalmente incorporados à China, saindo respectivamente das jurisdições britânica e portuguesa. A China classificou esses territórios como regiões administrativas especiais e por meio da lógica de “um país, dois sistemas” criou mecanismos de atração ao comércio exterior e investimento estrangeiro na China usando como porta de entrada Hong Kong e Macau.

Em 2001, a China finalmente entrou na OMC (Organização Mundial do Comércio) após 15 anos de intensas negociações, e no mesmo ano o governo criou a seguradora Sinosure para fomentar as exportações do país. Em 2009, a China ultrapassou a Alemanha e se tornou líder global em exportações, liderança que mantém até hoje. Assim que Xi Jinping assumiu o governo em 2013, fez questão de reviver um conceito antigo.

Ele propôs a estratégia da Nova Rota da Seda, ou em inglês BRI (Belt and Road Initiative). De forma análoga ao racional anterior, o projeto foi dividido entre rota terrestre, por meio de corredores econômicos, e rota marítima, com a Rota da Seda Marítima do Século XXI. Um dos objetivos desse macroprojeto é aumentar a conectividade global para fomentar o comércio internacional entre China e outros países.

Por que a China está fazendo isso? Primeiro, durante o seu milagre econômico pós-1978, a China desenvolveu expertise em infraestrutura logística e ficou com excesso de oferta em muitos setores. Além disso, o foco inicial das reformas era produção e crescimento econômico a qualquer custo. Atualmente, o objetivo é qualificar este crescimento em busca de maior produtividade e mais representatividade de consumo e serviços sobre o PIB, respeitando diretrizes ambientalistas. Nesse contexto, o projeto multilateral se encaixou perfeitamente às necessidades da China, e foi até escrito na constituição chinesa em 2017.

Os projetos da Nova Rota da Seda intensificaram o comércio entre a China e os países parceiros. Quanto à qualidade do PIB, indústrias mais poluentes e intensivas em mão-de-obra da costa Leste chinesa (região mais desenvolvida) estão gradativamente sendo transferidas para o interior do país (região menos afluente) ou para países menos desenvolvidos do Sudeste Asiático. Em compensação, novas indústrias tecnológicas estão se estabelecendo na costa Leste.

Outro fator que contribui para a expansão e manutenção da China como “fábrica do mundo” é o Cross-Border E-commerce. Devido ao sucesso obtido com o varejo chinês, as gigantes locais do E-commerce expandiram suas operações internacionalmente por meio do dropshipping.

Segundo dados oficiais da alfândega chinesa (GACC – General Administration of Customs of China), em 2023 o país exportou USD 3,38 trilhões, uma queda de 4,6% ante 2022, a primeira queda no indicador nos últimos 7 anos, desde 2016. As Top 3 categorias mais exportadas pela China em 2023 foram: maquinário e eletrônicos (59% do valor exportado total), tecidos e vestuário (5%) e produtos agrícolas (3%). Os top 3 destinos em 2023 foram ASEAN (bloco econômico dos países do Sudeste Asiático, com 16% do valor total), União Europeia (15%) e EUA (15%).

As ZEE’s criadas por Deng Xiaoping tiveram como saldo uma certa clusterização da economia chinesa. Shenzhen, a primeira ZEE em 1979, desenvolveu expertise na fabricação de eletrônicos, tanto que é chamada de “O Vale do Silício Chinês”. Estima-se que a cada 4 telefones produzidos no mundo, 1 seja feito em Shenzhen. Na sequência, as indústrias têxtil e agrícola, historicamente, sempre foram representativas nas exportações chinesas.

Quanto aos Top 3 destinos de exportação, o bloco ASEAN (Países do Sudeste Asiático) ultrapassou União Europeia e EUA em representatividade tanto pela conectividade logística com a China sob a égide dos projetos da Nova Rota da Seda, quanto pela maior aproximação geopolítica.

Para concluir, esse conjunto de reformas e investimentos ao longo dos séculos serviram de base para que a economia chinesa se transformasse na "fábrica do mundo", liderando não apenas exportações para o mercado global, mas também como palco de grandes inovações tecnológicas.

(*) Fernando Arida Ferreira Velloso, Gerente de Parcerias da Vixtra

Escrito por:

Opinião

O Guia Marítimo abre espaço aos profissionais e especialistas do mercado para expressar a sua opinião e perspectivas para a indústria.



Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do Guia Marítimo. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.