COP 26 e o Transporte Marítimo

Como amplamente noticiado nas últimas semanas, cerca de 196 países estiveram reunidos em Glasgow, na Escócia, para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, a chamada COP26.

Tendo em vista que os setores de transporte marítimo e aéreo são juntos responsáveis por 5% das emissões de gases do efeito estufa (equivalente às emissões do Japão ou Alemanha), os principais líderes desses setores também estiveram presentes, em reuniões paralelas. Inclusive um dos grande feitos dessa edição da conferência pode ter sido a quebra de um importante paradigma: os setores de transporte marítimo e de aviação estariam excluídos dos esforços do Acordo de Paris!?

Uma nova avaliação jurídica a cerca desse tema demonstrou que esses setores são sim parte do acordo, o que na prática libera os países para fazer da aviação e do transporte marítimo parte de suas metas e soluções para combater o aquecimento global. Até então o entendimento era que, por sua característica multinacional, esses setores deveriam ser regulados por organismos internacionais, tais como a IMO e a ICAO. Com isso os países acabavam não fazendo valer suas regras para esses dois setores quando operando em ou a partir de seus territórios.

Historicamente a IMO tem feito esforços para reduzir as emissões da frota marítima internacional. As primeiras medidas mandatórias foram tomadas ainda em 15 de julho de 2011 no âmbito da MARPOL (Convenção Internacional para a Prevenção de Poluição pelos Navios) e o IMO2020 – que trata das emissões de enxofre – a última das medidas importantes.

Já quanto às emissões de GHG (gases de efeito estufa), a IMO trabalha atualmente com a meta de reduzir em 50% as emissões anuais, até 2050, comparado com os níveis de 2008, contudo vem sendo criticada pela timidez de suas metas e por ser um órgão burocrático composto apenas por representantes de governos no qual os armadores podem apenas ser representados por Organizações Inter-Governamentais e não estariam efetivamente sensibilizados com a urgência da descarbonização.

Durante a COP26, a ICS – International Chamber of Shipping, órgão representante da armação internacional reuniu-se em Glasgow num seminário intitulado “Shaping the Future of Shipping” onde representantes dos principais transportadores de containers apoiaram fortemente a necessidade de descarbonizar a frota, visando zerar as emissões até 2050 (ao invés de diminuir em 50% como prevê a IMO), o que ainda demandaria muita pesquisa e desenvolvimento de combustíveis não fosseis e, para tanto, se propunha a criação de um fundo com recursos provenientes da cobrança de uma taxa de US$ 2,00/tonelada de combustível fóssil fornecido aos navios ao longo dos próximos anos.

Mas o que fez a armação de contêineres passar a apoiar as medidas? Entre outros fatores o setor que representa 13% da frota mundial, mas é responsável por 50% das emissões de carbono (cerca de 1bi de toneladas de carbono), viu-se posto contra a parede por grandes embarcadores como: Amazon, IKEA, Unilever, Michelin e outros que formaram uma coalizão chamada de “Donos de carga pela emissão zero em navios”.

Outro grande feito resultante da COP26 para o setor marítimo foi a assinatura de uma declaração chamada ‘Clidebank Declaration” apoiada por 19 países com objetivo de estabelecer pelo menos seis corredores de “zero emissão” em determinadas rotas. Seria, portanto, um primeiro passo rumo a meta de zero emissões mundiais a partir de 2050 e que alinharia o transporte marítimo com as metas do acordo de Paris.

Ao construir corredores marítimos de emissão zero, os principais parceiros comerciais podem catalisar os investimentos terrestres necessários em energia limpa e infraestrutura para produção, transporte até os portos e armazenagem de combustíveis com emissão zero. Essa abordagem dos corredores permitirá que os governos primeiro incentivem e, eventualmente, exijam que apenas navios com emissão zero possam viajar de, digamos, Xangai para Los Angeles ou Rotterdam para Nova York.

Dado que é difícil imaginar a possibilidade de se virar uma chave do dia para a noite e passar a exigir uma frota mundial inteira transformada em emissores de carbono zero, em virtude da demanda de capital para renovação (ou adequação) da frota atual ou dos volumes de combustíveis envolvidos no abastecimento desses novos navios, começar com corredores verdes será essencial para apoiar a viabilidade dos novos combustíveis verde.

Logo após as reuniões em Glasgow, o setor marítimo se reuniu em Londres para a 77ª reunião do Comitê de Proteção Ambiental (MPEC) da IMO, onde certamente houve pressão por metas de redução mais ambiciosas do que os atuais 50% até 2050. Contudo, infelizmente as notícias dão conta de que já no primeiro dia da reunião as conversas não foram muito promissoras e muito do entusiasmo visto em Glasgow se perdeu no caminho até Londres.

As ilhas Marshall e Solomon (países com grande risco de simplesmente desaparecerem com o aumento do nível dos oceanos) até apresentaram uma resolução para zerar as emissões até 2050, porém somente oito países apoiaram a iniciativa: Canada, Japão, Nova Zelândia, Ucrânia, Reino Unido, Vanuatu e Islândia. Outros 31 países, incluindo os 27 da União Europeia, mais Geórgia, Coreia do Sul, Bahamas e Noruega até apoiam mudar a meta para carbono zero em 2050, mas não apoiam os termos da resolução apresentada.

Surpreendentemente 7 países da União Europeia – Bélgica, Finlândia, Dinamarca, França, Alemanha, Hungria e Suécia apoiaram a meta de zero emissões em 2050 em Glasgow, mas em Londres reverteram suas posições. Ainda mais surpreendente foram os diversos países que se posicionaram contra a proposta, com destaque para China, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Emirados Árabes e Brasil (com exceção da China e África do Sul, todos os demais são grandes produtores de combustíveis fóssil).

Ainda assim, a descarbonização da navegação parece ter entrado num caminho sem volta e, inclusive, tende a trazer em paralelo um ampla mudança no perfil das cargas transportadas e dos tipos de embarcação. Atualmente uma parcela expressiva do volume transportado por via marítima é representado por combustíveis fósseis, petróleo bruto, produtos refinados e carvão, que tende a desaparecer. Uma significativa redução da frota de petroleiros e graneleiros ao longo dos próximos 30 anos é esperada. Por outro lado possivelmente abrir-se-ão grandes oportunidades para embarcações dedicadas ao fornecimento de combustíveis alternativos (ex: amônia, hidrogênio e/ou metanol). Resta saber como o badalado pré-sal brasileiro vai se encaixar nesse cenário?!

Em outras palavras, o que se observa nesse quadro é que a iniciativa privada, por pressão de mercado, está tomando iniciativas mais ágeis e concretas do que os governos na busca por um transporte marítimo verde. A Maersk, por exemplo, já anunciou que em 2023 pretende ter seu primeiro navio “carbono zero” navegando e, em 2030, espera que as emissões de carbono de toda sua frota sejam reduzidas em 60%, comparado com 2008. Além disso os dinamarqueses também assumiram o compromisso de zerar as emissões de carbono de todas as suas unidades de negócio até 2050. A Svitzer, empresa de rebocadores do grupo, já anunciou que está transformando sua frota no porto de Londres para carbono neutro, com o uso de biocombustíveis.

A empresa Yara, conhecida no Brasil pela produção de fertilizantes, com 5 plantas de produção e 24 unidades misturadoras, vem se destacando em inovação após lançar na Noruega o primeiro navio elétrico/autônomo do mundo e a propor-se a produzir amônia em larga escala a fim de torná-la uma opção de combustível verde viável para a descarbonização da frota marítima.

E por que não sonhar, por exemplo, com a cabotagem brasileira movida a combustível verdes nacionais como: biodiesel e etanol?!?

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