Congresso nacional e regulação do serviço de praticagem: projetos de lei em discussão
Em junho de 2022, por meio da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP), o Congresso Nacional promoveu audiência pública para debater a regulação do serviço de praticagem e o impacto dos projetos de lei (PL) 757/2022, 4.392/2020 e 1.565/2019. Esses projetos tratam de regular a prestação do serviço de praticagem, ora promovendo alterações substanciais na sistemática atual, mediante introdução de uma regulação econômica específica, em paralelo à regulação técnica já existente, ora promovendo a manutenção e a cristalização da situação vigente. O presente artigo trata dos posicionamentos favoráveis e contrários a essa iniciativa de regulação.
A importância da praticagem para o cenário econômico nacional ganhou relevo a partir da edição da Lei 14.301/2022 (BR do Mar), passando a ser diretamente relacionada com o chamado “Custo Brasil”. Especialmente com relação ao transporte marítimo de cabotagem, o serviço de praticagem passou a ser visto como um componente essencial a merecer a atenção do poder público. No âmbito do Congresso Nacional, diversos projetos de lei tratam da regulação do serviço de praticagem, mas os três atualmente em debate consistem na convergência das principais linhas de entendimento.
Convocada e presidida pelo deputado Alexis Fonteyne, a audiência da CTASP veio na esteira de outra, realizada em maio de 2022, pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No TCU, foram discutidos os achados de auditoria operacional que descortinou a inexistência de qualquer regulação econômica efetiva do serviço de praticagem. Além disso, a auditoria suscitou tratar-se a praticagem de serviço prestado em regime de monopólio, caracterizando um mercado de concorrência imperfeita e dando ensejo à necessidade de apropriada regulação.
É oportuno relembrar que o que está em discussão é a regulação econômica do serviço de praticagem, não a sua regulação técnica. A regulação técnica, exercida pela Autoridade Marítima, por meio da Diretoria de Portos e Costas (DPC), voltada para a segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana no mar e a proteção do meio ambiente hídrico, não foi objeto de qualquer avaliação negativa. Muito ao contrário, teve sua excelência reafirmada em diferentes ocasiões.
O PL 757/2022 é de iniciativa do Poder Executivo Federal, por meio dos Ministérios da Economia, da Infraestrutura e da Defesa. Visa a promover alterações na Lei 9.537/1997, Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (Lesta) e na Lei 10.233/2001, que criou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Trata-se de projeto com foco na melhoria do funcionamento dos elos da cadeia de transporte. Considera que o serviço de praticagem é prestado em regime de monopólio e atribui sua regulação econômica à Antaq. Identifica nessa regulação uma relevante contribuição para o desenvolvimento do transporte aquaviário, especialmente o de cabotagem, com efeitos positivos para a competitividade da economia brasileira. Conta com o apoio da Autoridade Marítima, do Ministério da Infraestrutura (Minfra), da Antaq, dos representantes das empresas de navegação, dos representantes dos portos organizados e dos exportadores de commodities.
O PL 4.392/2020, por sua vez, é de autoria do deputado Alceu Moreira e, assim como o PL 757/2022, também trata de alterações na Lei 9.537/1997 (Lesta) e na Lei 10.233/2001 (Antaq). Esse projeto, igualmente, vislumbra não haver concorrência efetiva na prestação do serviço e, nesse ambiente monopolista, também se posiciona pela regulação econômica da praticagem, a ser atribuída à Antaq. Conta com o apoio das mesmas entidades privadas favoráveis ao PL 757/2022, mas falta-lhe o apoio dos órgãos e entidades integrantes do Poder Executivo.
O PL 1.565/2019, por fim, é de autoria do deputado Augusto Coutinho e propõe alterações apenas na Lei 9.537/1997 (Lesta). Esse projeto considera que a praticagem tem natureza jurídica de direito privado, com preços que devem ser definidos pela livre negociação entre tomadores e prestadores do serviço, segundo o princípio da não-intervenção do Estado, ou intervenção mínima, nas atividades privadas. Conta com o apoio das entidades representativas da praticagem e dos práticos, em especial, o Conselho Nacional de Praticagem (Conapra) e a Federação Nacional dos Práticos (Fenapráticos).
As diferenças entre o PL 757/2022 e o PL 4.392/2020 são mínimas. Uma delas seria que o PL 4.392/2020 introduziria na Lei 9.537/1997 (Lesta) e na Lei 10.233/2001 (Antaq) um rito de consulta da Autoridade Marítima à Antaq sempre que de suas decisões técnicas derivarem impactos econômicos, enquanto no PL 757/2022, esse rito de consulta estaria contido apenas na Lei 10.233/2001 (Antaq). Já uma característica comum a ambos os projetos, além da entrega da regulação econômica à competência da Antaq, é a previsão de abertura dos dados financeiros pelas entidades de praticagem, o que também foi assunto muito debatido na audiência pública da CTASP, tendo recebido forte oposição do Conapra e da Fenapráticos. Os dois projetos são, em essência, bastante similares.
O PL 1.565/2019, por sua vez, não traz novidade relativa à regulação do serviço de praticagem, e, em certa medida, engessa a capacidade da Autoridade Marítima para exercer sua reconhecida regulação técnica. Isso porque, ao incorporar ao texto legal a Escala de Rodízio Única (ERU) do serviço de praticagem, torna qualquer flexibilização ainda mais difícil do que é hoje, em que aperfeiçoamentos podem ser promovidos diretamente pela DPC, por meio das Normas da Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem (Normam 12). Conapra e Fenapráticos percebem nessa legalização da ERU a concretização de uma segurança jurídica necessária ao desempenho da atividade de praticagem, enquanto as empresas do setor de navegação denunciam um indesejável reforço ao monopólio já existente.
Armadores e representantes das empresas do setor de navegação argumentam que a negociação dos contratos é muito dificultada pelas características monopolistas do serviço de praticagem. Afirmam tratar-se de uma negociação complexa e desequilibrada, que os deixa à mercê das imposições das entidades de praticagem, em especial por inexistir um órgão mediador e solucionador de conflitos. Queixam-se que, sendo o serviço de praticagem de contratação obrigatória e não tendo a quem recorrer em caso de insucesso na negociação, terminam sendo obrigados a pagar o preço que lhes é imposto pelos práticos. Além disso, reclamam que a ERU torna ainda mais difícil essa interlocução com as entidades de praticagem.
Nesse contexto, a regulação econômica seria necessária para a correção das distorções do mercado. Essa regulação deveria ocorrer em caráter permanente, não se limitando à simples possibilidade de fixação de preços pela Autoridade Marítima para evitar a indisponibilidade do serviço, como previsto no artigo 14 da Lesta. Tanto o PL 757/2022 quanto o PL 4.392/2020 traduzem esse entendimento acerca da necessidade de se estabelecer a regulação econômica de um mercado de concorrência imperfeita, caracterizado pelo monopólio na prestação do serviço. Contudo, somente o PL 757/2022 conta com o apoio dos órgãos e entidades do poder público.
Em sentido oposto ao do estabelecimento de uma regulação econômica sobre o serviço de praticagem, o Conapra e a Fenapráticos manifestaram seu apoio ao PL 1.565/2019. Esse projeto, como visto, é voltado para a manutenção do status quo, em especial, mediante a inclusão da ERU no texto da Lei 9.537/1997 (Lesta) e a confirmação da natureza privada do serviço de praticagem. As duas entidades reiteram o seu entendimento de que a alta qualidade do serviço prestado no Brasil se associa à adoção do modelo atual, cuja gestão privada possibilitaria às entidades de praticagem investir permanentemente na sua melhoria, em especial mediante aquisição de equipamentos de alta tecnologia e ações de treinamento e capacitação de alto nível. A praticagem brasileira constituir-se-ia, em sua visão, no modelo a ser seguido por outros países, não o contrário.
Ocorre, portanto, no âmbito do Congresso Nacional, assim como no TCU, intenso debate acerca da regulação do serviço de praticagem no Brasil. O Congresso, por meio da CTASP, deu voz aos argumentos das diferentes partes envolvidas, inclusive tornando públicas as discussões, para poder posicionar-se da melhor forma possível. No âmago do debate está o estabelecimento de uma regulação econômica sobre o serviço de praticagem, a ser exercida pela Antaq, paralelamente à regulação técnica, exercida pela Autoridade Marítima. Argumentos pró e contra essa regulação econômica se mesclam, evidenciando a complexidade do assunto e a sua relevância para a qualidade e a eficiência do setor marítimo. Decisiva para o mercado marítimo brasileiro deverá ser o posicionamento final do Poder Legislativo.
*Carlos Wellington Leite de Almeida: Auditor Federal do Tribunal de Contas da União (TCU).
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